segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Você vai MORRER - Parte Final


                             Ter consciência da morte é saber viver bem, é não estar em dívida com a vida... É estar pronto para partir a qualquer momento. É viver em constante vigília, para não perder nenhuma oportunidade de crescimento pessoal. Espero que essa série de postagens tenha contribuído de alguma forma para uma melhora qualitativa na vivência dos que a acompanharam até o fim e compreenderam o seu propósito. Espero que vocês pensem constantemente no dia de suas mortes e da morte de seus amados. E espero que esse choque lhes tenha ajudado a aproveitar cada segundo de vida de que dispõem. Vou terminar essa série com aqueles tipos de frases bem clichês que estamos mais do que acostumados a ler em todos os lugares por que passamos, como "Você já abraçou seu filho hoje?" (típica de adesivos de carros), ou "Jesus voltará em breve" (típica de muros pichados e marquises urbanas). E espero que essas frases tão comuns ganhem realmente um novo sentido nas vidas de todos.




"Hei... Não espere!!!

Não espere um sorriso, para ser gentil...
Não espere ser amado, para amar...
Não espere ficar sozinho, para reconhecer o valor de um amigo...
Não espere ficar de luto, para reconhecer a amizade sincera que perdeu...
Não espere o melhor emprego, para começar a trabalhar...
Não espere a queda, para se levantar...
Não espere a enfermidade, para reconhecer que a vida é frágil...
Não espere a pessoa perfeita, para então se apaixonar...
Não espere a mágoa, para pedir perdão...
Não espere a separação, para sentir saudades...
Não espere a dor, para acreditar na oração...
Não espere elogios, para acreditar em si mesmo...
Não espere ter tempo, para servir
Não espere que o outro tome a iniciativa, se você foi o culpado...
Não espere o "eu te amo", para dizer o "eu também"...
Não espere ter dinheiro, para contribuir...
Não espere o dia de sua morte, para querer viver!!!

Hei... O que está esperando? Hoje é o dia!"


-------------------- (Frases anônimas)




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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Você vai MORRER! - Parte II


                             Foi dito no post anterior que a consciência da morte é nossa aliada, pois por meio dela descobrimos a nossa fragilidade, nossa pequenez, nossa efemeridade. É também por meio dela que conseguimos derrubar o pensamento egóico e nos abrirmos mais aos outros. Ela nos choca com o terror de uma possível ausência do “amanhã” e nos faz rever conceitos, nos faz pensar se o que estamos vivendo no presente é o essencial, se é o que deve ser vivido. Em outras palavras, remete-nos a refletir se estamos perdendo o nosso tempo, vivendo de forma vã, construindo castelos de areia, que no fim desmoronarão.

                             É notório, nos dias atuais, que as pessoas estão perdendo essa sensibilidade. O avanço tecnológico frequentemente nos dá a impressão de sermos imortais, de termos as curas para todas as doenças, de sermos invulneráveis. E assim vamos vivendo sem responsabilidade, sem darmos atenção às nossas limitações e às necessidades e carências dos outros. Quando algum problema surge, tendemos a querer resolver tudo com dinheiro. Compramos o melhor remédio, o que cura com mais celeridade, ou então compramos a comida que precisamos, que temos vontade de comer naquele momento. Se algum pobre nos perturba, jogamos logo uma moeda de mal grado para que ele deixe de nos assombrar o mais depressa possível. E assim a humanidade insensível vai vivendo como se não fosse nunca mais morrer, como se pudesse dispor sempre de todos os recursos naturais que o planeta oferece, sem nunca esgotá-los, como se as verdadeiras necessidades dos outros (e até mesmo as nossas próprias) pudessem ser saciadas com um pedaço de pão seco, um punhado de dinheiro, ou com uma pílula instantânea que compramos na farmácia da esquina.

                             Temos, pouco a pouco, perdido a consciência da morte, e isso nos tem tornado deuses insensíveis, autômatos, egóicos. Perdemos muito tempo em nossas vidas correndo atrás de realidades que acabarão e não deixarão rastro de existência, de realidades destrutivas como drogas, entorpecentes, álcool, etc. Tudo isso nos será tirado no fim dos tempos. Nada poderemos levar conosco. Mas o homem vem perdendo o seu precioso presente, sem saber que amanhã pode não ter mais um futuro (ou seja, um novo presente para poder viver). O presente se renova até a consumação dos tempos. O presente é sempre presente, até que deixe de ser presente e se torne eternidade. A consumação dos tempos não é um evento escatológico ao pé da letra. Não se trata do fim do mundo ou da decadência coletiva da humanidade. Mas ela ocorre pessoalmente para cada ser humano. Todos nós, a despeito de sermos eternos, temos um “alpha e um ômega”, um início e um fim. Todos nós nascemos na alvorada de uma vida cheia de possibilidades, e morremos no ocaso de um túmulo frio e implacável. O fim do mundo não é quando o mundo deixa de existir, mas quando você deixa de existir para o mundo. Em um milionésimo de segundo, que você nem imagina quando ocorrerá, tudo o que você conhece e tem vivido deixará de existir. Você sabe quando ocorrerá o ocaso de sua vida? Você sabe quando ocorrerá o fim do seu tempo aqui neste mundo? Você sabe o que é este mundo? Deus abandona o mundo quando você se apega às materialidades efêmeras. Se você não tem equilíbrio, você vive uma vida vazia. Não sente prazer em nada, e constantemente tem cada vez mais a firme convicção de que perdeu bastante tempo na sua vida. E se, no dia em que você morrer, você não tiver encontrado ainda a sua Vida, você verá Deus abandonar o seu mundo definitivamente, e para você isso será o fim.


                             Então, meus amigos, não percam mais o precioso tempo que vocês têm. Aprendam a tomar consciência da morte e a viver bem os seus dias. Viver bem o tempo que nos é dado é tornar cada segundo de nossa existência um altar de celebração da Vida verdadeira, é buscar em cada gesto e intenção a sombra do Deus que ao mesmo tempo se oculta e se revela nesses fenômenos. Busque a sua verdadeira Vida, que está escondida com Deus, e não pertence a esse mundo, mas que nesse mundo se esconde (bem debaixo dos seus pés). Por que adiar cada dia mais a sua felicidade? Por que você simplesmente não abre seus olhos e vê o quanto é feliz e agraciado. Viva cada instante de sua vida como se você não tivesse outro tempo para viver, como se você não tivesse um amanhã para fazer tudo o que você precisa verdadeiramente fazer. A verdade é que você não sabe quando chegará a sua hora, quando chegará o seu fim dos tempos, quando você verá o Filho do Homem voltando nos céus com os anjos ao seu redor. Você não sabe quando isso acontecerá a você. Portanto, é necessário viver em estado de constante vigília. Vigie e ore. Viva intensamente. Diga às pessoas importantes em sua vida que você as ama, e diga isso toda vez que tiver uma oportunidade de fazê-lo, pois você nunca sabe se terá uma nova oportunidade de dizer isso novamente. Quantas pessoas se despendem da vida sem terem se reconciliado umas com as outras. Presas à ilusão da imortalidade, nunca tomam a iniciativa de se entender, de se amar, ou de pelo menos viver harmonicamente e com respeitosa tolerância. Partem desta vida presas aos seus ressentimentos, à sua raiva e ódio destrutivo, sem nunca conhecer o verdadeiro Amor. Quantos filhos não dizem barbaridades aos seus pais, sem saber que ali, naquele mesmo dia, não terão mais a oportunidade de pedir perdão, pois o ladrão que espera ali na esquina irá escolhê-los para realizar sua sórdida intenção de cometer um latrocínio? E quantos ladrões não dão mais valor aos bens materiais e à saciedade efêmera que tais bens lhes proporcionarão, antes de perceber que pode acabar, em um único instante, com a vida de toda uma família (tanto daqueles que partem prematuramente, quanto daqueles que ficarão vivendo no remorso)?


                             O mundo tem ficado cada vez mais louco. Não temos dado a cada coisa apenas o seu devido valor. Estamos constantemente invertendo nossos valores, banalizando aquilo que é eterno e idolatrando aquilo que acabará. Pais e filhos não conversam mais, não se conhecem mais. São estranhos que vivem sob um mesmo teto, mas que apenas se esbarram... Irmãos não mais se amam, e com muito custo apenas se toleram. Nossos amigos? São apenas amuletas nas quais nos escoramos para obter nossos intentos e vantagens, mas dos quais logo nos livramos quando não mais precisamos delas. As demais pessoas? Que se danem, cada um é por si e não devo nada a ninguém (nem mesmo um sorriso ou um bom-dia)... Será que se essas pessoas, de alguma forma, soubessem a data exata em que vão morrer, perderiam seu tempo sem ao menos tentar de tudo para encontrar o verdadeiro sentido da sua existência? Será que ainda seguiriam vivendo loucamente como se a morte não existisse, e nada pudesse lhes atingir?

                             A verdade é que a consciência da morte é uma grande aliada na nossa necessária vigília. As palavras do evangelho que se referem ao fim dos tempos e em “vigia e orai, pois não sabeis a hora em que os patrões chegarão”, constantemente nos apontam para essa mística. Alguns monges antigos, ao tomar consciência da morte, se cumprimentavam dizendo “memento moris”, que em latim significa “lembre-se: morrerás”. Ao que os outros respondiam: “carpe diem”, que significa “aproveite o dia”, ou seja, aproveite o seu presente, o único momento que você dispõe para fazer aquilo que realmente importa. Não desperdice seu precioso tempo.

                             Aproveite as oportunidades que tiver para verdadeiramente amar, em gestos, palavras e intenções, as pessoas que te rodeiam. Aproveite para buscar sempre a felicidade, a estar sempre de bem com a vida, a não estar em dívida (espiritual) com ninguém. Somos eternos devedores de quem nos ama, e amor só se paga com amor. Nada mais é aceito. Não se pode comprar gratidão na farmácia, nem se vendem boas amizades em supermercados. As doenças do espírito não são curadas com pílulas nem cirurgias, mas tão somente com carinho, amor e dedicação. Não queira sempre o caminho mais fácil do dinheiro, pois ele compra muitas coisas, mas nunca compra o que é de fato importante e essencial: amor. Tente conquistar esse amor, tente buscá-lo em si e nos outros, enxergue, além das aparências, com que Amor Deus tem nos amado. Viver na consciência da morte é viver bem, é não querer desperdiçar nunca seu precioso tempo. É viver da forma mais difícil, porém mais gratificante e que não nos será tirada. Como dito no final do post passado, “a gente leva da vida a vida que a gente leva”. E que tipo de vida temos levado? O que levaremos conosco para a eternidade? Ilusões ou verdades?

                             Coincidentemente, li em um livro religioso, um texto que me chamou a atenção e que aborda exatamente o efeito que o tempo tem exercido na vida das pessoas, tempo que ora aprisiona as pessoas e que ora as liberta, dependendo unicamente de sua atitude pessoal:

                              “Certa vez encontrei uma moça deprimida com o câncer do pai. Ela me contou que o diagnóstico recebido lhe dava apenas três meses de vida. Já haviam se passado dois meses, em que ela viveu trancada em seu quarto, mergulhada em uma tristeza sem fim. Eu a questionei: ‘Você tem três meses ao lado de seu pai e escolheu passá-los trancada em seu quarto? Não seria melhor você entregar a seu pai sua melhor parte nesse tempo que lhe resta? Quantas pessoas não têm essa oportunidade! Perdem as pessoas que amam sem mesmo terem tido a chance de uma última palavra...’
                             Ela me olhou assustada, como se tivesse acordado para uma nova forma e enxergar o mês que lhe restava. Eu lhe pedi que mudasse a frase. Em vez de dizer: ‘Só tenho um mês ao lado de meu pai’, ela diria: ‘Ainda tenho um mês para amar e ser uma boa filha!’. Ela aceitou o desafio. Encarou o tempo que lhe restava como kairós e assim minimizou o peso do khronos. Aqueles últimos dias foram dedicados aos gestos poéticos. O cuidado, o amor, o carinho fizeram com que as metástases não ultrapassassem os limites da carne. Elas deixaram de atingir a alma.
Gabriel, muitos medos nascem desses intervalos curtos que nos restam. O fechamento no quarto foi uma resposta ao medo. Ela não queria assumir a realidade. Queria fechar-se em seu mundo. Queria negar a partida anunciada. Mas aquele gesto reafirmava ainda mais o poder opressor do tempo. Não sabemos quanto tempo ainda nos resta...
                             Essa incerteza não pode ser motivo de medo, mas nos sugerir um novo posicionamento. Olho para minha mãe e concluo quanto eu a amo. Não sei quanto tempo ainda poderei tê-la sob o alcance dos olhos. Isso não me desespera, mas me coloca em estado de alerta. Não posso deixar o amor para quando amanhecer o dia. Não sei se ainda me restará outra manhã, outra oportunidade para amar. Por isso, amo no tempo que tenho.”

(MELO, Fábio de (Pe.); CHALITA, Gabriel. Cartas entre amigos. Sobre medos contemporâneos. São Paulo: Ediouro, 2009, p. 213.)

                             Para o nosso bem, até mesmo em um átimo de milionésimo de segundo, o verdadeiro amor pode ser descoberto. Ainda que em toda a nossa vida tenhamos perdido nosso tempo, se, ao final dos tempos, nos arrependermos e conseguirmos fazer surgir ao menos uma pequena centelha de amor em nosso coração, então estaremos de alguma forma salvos na eternidade. É nossa última redenção. Fora disso, só há Deus abandonando este mundo, para nunca mais voltar, mundo este que foi criado por Ele mesmo, mas que agora está abandonado às ilusões efêmeras, pois o “príncipe deste mundo sempre vem para reclamar o que é seu, mas Deus não tem parte alguma com ele”. Isso significa que moramos neste mundo, mas a ele não pertencemos. Estamos aqui para cumprir algum propósito, aprender algumas coisas, e logo já é hora de partir. Nossa Vida está com Deus. Que tal? Vamos encontrá-la?



(Texto de autoria própria. Texto exemplificativo: Pe. Fábio de Melo e Gabriel Chalita)




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domingo, 8 de novembro de 2009

Você vai MORRER! - Parte I


                             Alguns místicos acreditam que as religiões que ensinam que o homem é uma criatura de Deus, feita do barro, não sabem o que dizem, não estão falando nenhuma verdade, e que seu ensinamento é muito pobre, muito superficial.

                             Bom, se o ensinamento é superficial, isso depende... depende da forma como se percebe e se compreende um ensinamento religioso. Não há como afirmar que ele é superficial ou profundo, a não ser para nós mesmos, pois esse mesmo tipo de explicação pode ser totalmente suficiente para uma outra pessoa, pode ser tão profundo e místico como nenhum outro o é... Por essa perspectiva, a gente aprende que não é muito certo julgar doutrinas religiosas, mas que é mais justo buscar compreendê-las. Elas existem por um motivo (que não é só o de simplesmente dar uma explicação momentânea à ânsia humana de se autoconhecer, podendo ir muito além...).


                             O ensinamento de que o “homem é feito de barro” pode significar simplesmente um amor mais cuidadoso por parte do Pai com relação ao seu filho ser humano. Um amor que não tem limites. Na Obra da Criação é dito que todas as coisas surgem quando Deus pronuncia sua palavra. "E Deus disse (...) E assim foi feito". No entanto, Deus preferiu usar as próprias "mãos" para criar o ser humano, modelando-o carinhosamente, fazendo cada traço com todo o carinho e satisfação. Depois de pronto o molde, Deus pensou em habitar essa morada, entrando em núpcias com o ser humano. Nessa relação sagrada, a Divindade sopra seu próprio Espírito nas narinas do homem, fazendo o homem ter Vida, Sua própria Vida, Seu próprio Espírito. Deus deu de Si mesmo ao homem, para o formar. Esse romance todo foi desejado por Deus em seu mistério de Amor relacional. Ele anseia, mais do que simplesmente criar, obter uma relação com um filho que lhe seja em tudo semelhante, em tudo igual a Si (respeitadas todas as diferenças, claro! Ele é o Pai, nós somos seus filhos... e nisso está a relação).

                             Diz-se, portanto, que no princípio Deus criou as coisas visíveis e invisíveis (Bereshit bara elohim vet hashamaim vet aretz), de modo que todas as coisas foram feitas na Unidade. Não havia separação entre Espírito e matéria, porquanto eram Uma só substância. E todas essas coisas foram feitas a partir de Sua Palavra poderosa. No entanto, ao Criar o ser humano Uno, preferiu fazer isso com suas próprias mãos. Preparou-lhe um espírito livre e independente, depois modelou-lhe as formas, e logo depois insuflou-lhe o Espírito da Vida. Preparou-lhe um espírito independente, ou uma alma pensante (criação de Deus-Pai), modelou-lhe a forma (criação de Deus-Filho), insuflou-lhe o Espírito da Vida (criação de Deus Espírito Santo). O homem é completo em suas três dimensões: corpo, alma individual e espírito.


                             Esse ensinamento revela que tudo é criação de Deus, desde a mais ínfima matéria visível, efêmera e mutável, passando pela mais complexa mente, alma pensante e individual, livre e independente que cada um temos, até o mais eterno, sutil, essencial e verdadeiro espírito (que compartilhamos com todos, pois o Espírito da Vida é Um Só). E tudo foi criado em unidade.

                             No entanto, para todas as coisas criadas por meio da Palavra, a criação não envolveu uma relação amorosa, mas tão somente um ato externo de amor. Mas para o ser humano a criação foi uma relação de Amor, não simplesmente um ato externo de seu Criador... mas um casamento perfeito. Núpcias eternas de plena felicidade. Deus se envolveu com o ser humano a ponto de se revestir de nossa matéria (e isso fica ainda mais evidente ao contemplarmos o mistério da encarnação divina). Nessa perspectiva da relação essencial de amor, a criatura de barro revela-se, na verdade, um autêntico filho de Deus, diferenciando-se de todas as outras criaturas simplesmente por gozar de uma especial intimidade com o Altíssimo.


                             Além disso, o ensinamento do barro traz uma outra importantíssima lição a ser aprendida pelo ser humano, além daquela que revela que o homem é filho amado e dileto por Deus e criado na unidade com Ele, por Ele e para Ele: o ensinamento de que as coisas visíveis passam, e as invisíveis permanecem, o ensinamento de que a matéria corruptível foi feita para nos ensinar a humildade de espírito, para que não busquemos nos destruir a nós mesmos por meio de nossos poderosos espíritos. Um espírito poderoso como o nosso se autodestruiria facilmente se não aprendesse a ser humilde, a reconhecer que Deus é tudo em Nós. E é por isso que fazemos essa experiência pela matéria. Para que essa experiência "kenótica" esvazie nossos egos, dando-nos um choque ao perceber que toda a matéria é efêmera, ilusória e passageira. Devemos perceber que “o homem é pó, e ao pó retornará", "que não devemos juntar tesouros na Terra, onde a traça corrói e os ladrões roubam... mas no céu, onde não há tempo, não há corrupção", que um único espírito humano tem muito mais valor do que achamos que ele tem, e por isso vale mais do que todos os reinos dos mundos visíveis (Mateus 3, 8-10; Isaías 43, 4). Esse choque era necessário para quebrar o ego humano, fazendo o homem se desapegar das coisas materiais e até mesmo se despojar de si mesmo. Deparar ao mesmo tempo com sua eterna grandeza e sua total fragilidade e pequenez. Perceber as coisas efêmeras é dar um choque em nós mesmos para que pensemos: "o que é o homem sobre a terra? Qual nossa real identidade, nossa real necessidade? O que venho cultivando é o que deve ser cultivado? Tenho me iludido, vivendo intensamente na matéria e esquecendo meu espírito?”

                             Nada tem duração nessa matéria, tudo é vaidade e vento que passa. Não devo cultivar ilusões efêmeras, ainda que todas sejam criações divinas... elas estão aqui para me ensinar a minha própria pequenez, a fragilidade do meu ego, a me ensinar a superação e a humildade. Eles estão aqui para me ajudar, para me servir... para que eu possa servir a mim mesmo e a meus semelhantes, cultivar o que deve de fato ser cultivado: meu Amor, meu eterno Amor, que é a única essência eterna “que não me será tirada.” A matéria cumpre uma finalidade importantíssima na Criação, de modo algum podendo ser rebaixada, mas claro, dando a ela apenas o valor que lhe cabe. Qual ser humano nunca levou um choque ao deparar com o mistério da morte (ainda que ele já tenha percebido que é apenas um fenômeno material)? Que ser humano não entendeu que a morte é um fenômeno material se não tivesse levado um choque ao perceber a fragilidade humana, sofrer com as perdas e finalmente sublimar pensando “isso não pode ser o fim”?


                             “Eis que sois pó, e ao pó retornarás” encerra uma verdade sublime, verdadeira e mística, sim (ainda que de forma reflexa)... um ensinamento que coloca o ser humano de frente com seu próprio ego, para que ele perceba o quão frágil é esse ego, e para que tão logo seja possível, abandone sua mania de grandeza, seu egocentrismo. Esse tipo de ensinamento vem nos mostrar que Deus é Criador das coisas visíveis e invisíveis, e tudo isso é Bom, pois concorre para nossa evolução, para nossa percepção da verdadeira relação que devemos ter com o Pai e com os irmãos.

                             Um ensinamento que ao mesmo tempo nos revela que somos filhos de Deus amados por Ele mais do que tudo, feitos por suas próprias mãos, insuflados por sua própria essência, e que nos choca ao nos deparar com a fragilidade da matéria, que nos faz rever conceitos para abandonar o ego, a mania do poder, o apego ao visível, a evitar a autodestruição.... Esse ensinamento não pode ser superficial. Na verdade, é tão místico e profundo quanto todo o mistério que provém de Deus.

                             Devemos ressaltar que todo esse ensinamento é uma metáfora bíblica preparada para passar um ensinamento espiritual e místico, preparado para fazer o ser humano compreender o incompreensível, contemplar o incontemplável. Um código místico cheio de significado. Isso não quer dizer que Deus realmente nos fez de barro, e que colocou suas mãos sobre nós. Nem que não sejamos de fato feitos de barro (pois sabemos que nosso corpo é matéria orgânica). Também não podemos pressupor que Deus tenha mãos, ou pés... No entanto, quando o ensinamento passa pelo mistério da encarnação, a metáfora se faz realidade... E ai daquele que nega que o Cristo tenha vindo em carne “pois o espírito que assim prega não provém de Deus”. Ai daquele que nega que o Cristo tenha morrido. E ai daquele que não acredita em sua ressurreição. Se você despreza a encarnação, nega a humildade divina e todo o seu amor relacional cultivado a nós desde o princípio. Se você nega a sua morte, nega que veio do pó, e ao pó retornará, ou seja, nega sua fragilidade, nega sua pequenez, sua efemeridade, e, consequentemente, torna-se poderoso, soberbo, vaidoso, inconseqüente, egóico e insensível (a morte não te choca). E se você nega sua ressurreição, nega seu próprio espírito, nega sua Vida Eterna, afirma que a morte é um ponto final definitivo (a morte te choca além do que deveria. A morte te deprime).

                             O ensinamento bíblico nos choca e nos coloca nas trilhas da Consciência sensível: “o homem veio do pó, e ao pó retornará” significa “EI!!! Por que age como um Deus? VOCÊ VAI MORRER!!”

                             O ensinamento bíblico nos choca e nos coloca nas trilhas da Consciência essencial: “No mundo haveis de ter aflição. Coragem! Eu venci o mundo” significa “sua Vida é Eterna. Além deste mundo, há um outro além, no qual a paz se faz verdade. Após a morte, tu ressuscitarás”.

                             É muito comum confundir eternidade com imortalidade. Tendemos a misturar os ensinamentos. Quando pensamos que a morte é definitiva, achamos que não há vida após a morte, que tudo acaba, e que isso nos tira a liberdade e a alegria de viver. E quando descobrimos que somos eternos, achamos que somos imortais, e isso nos tira a sensibilidade humana, nos torna egóicos e soberbos. O ensinamento Cristão, no entanto, é profundo e não nos deixa cair nas armadilhas da falácia mental. Ele nos ensina que apesar de eternos, não somos imortais. A consciência de que vamos morrer, e que a morte é definitiva (portanto única), deve andar junta com a consciência de que a Vida é Eterna e não acaba com a morte.

VOCÊ NÃO É IMORTAL. VOCÊ VAI MORRER!!!
ACALME-SE. VOCÊ É ETERNO.

                             A pergunta é: como você vai passar a sua eternidade? A consciência da morte decorrente do choque existencial (você vai morrer) é quem nos responde. Nas palavras da poeta: “a gente leva da vida a vida que a gente leva”. Mas isso ficará para o próximo post.

(Texto de autoria própria)

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